Outro dia, um amigo perguntou o que eu achava sobre borboletas no estômago. Assim, sem mais. Eu sabia que ele queria, na verdade, saber a minha opinião sobre a ideia de que esse friozinho na barriga é fundamental em um relacionamento e todos esses clichês que a gente acredita a vida toda.
Coincidentemente, o livro “Vamos falar de amor”, que era a minha leitura naquele momento, já estava cheio de destaques e comentários reflexivos sobre a vida, e muitos deles eram sobre essas percepções erradas de amor que a gente vai internalizando no caminho.
A gente cresce acreditando que o amor tem que ter “emoção”, que você precisa estar sempre discutindo e discordando da pessoa, tendo episódios de ciúmes… E você só acha que a pessoa te ama de verdade se ela implica com alguém que curtiu sua foto, ou quando não gosta de algum colega de trabalho/faculdade que só é simpático com todo mundo. E quando acontece de viver um período de paz num relacionamento, parece chato, sem graça; e você começa a achar que desencantou e que aquele sentimento está chegando ao fim.
Fazendo jus à minha imagem de ser meio esquisita, por algum motivo, eu nunca comprei essa ideia. E eu fui exposta às mesmas histórias da Barbie e da Disney que você foi, então a gente provavelmente cresceu na mesma bolha, e eu só tinha um parafuso meio errado mesmo.
Fomos ensinados a acreditar no amor dos filmes e dos livros, que são majoritariamente obras de ficção. Os personagens são escritos para corresponderem exatamente a um perfil bem definido de mocinhos ou vilões, sem nenhum tipo de comportamento duvidoso ou contraditório. A protagonista que supera um mundo de perigos, ladrões, bruxas, florestas escuras, mas no fim precisa de um príncipe para protegê-la e salvá-la. Um príncipe que não esteva ali em todos os momentos em que ela realmente precisou ser salva.
Eu costumo fazer piada com as pessoas falando que “esse frio na barriga que você tá sentindo é ansiedade, isso não é saudável”. Embora eu entenda a curiosidade de conhecer alguém novo e descobrir as muitas coisas que aquela pessoa gosta provoca na gente, não é exatamente essa sensação que eu quero em uma relação mais duradoura.
A gente cresce sonhando com esse sentimento igual ao dos filmes, em que o mundo vai se iluminar quando você vir a pessoa, a certeza de que ela é o amor da sua vida vai ser instantânea, e você vai sentir as borboletas no estômago toda vez que a pessoa olhar pra você. Ou, mesmo, em uma perspectiva mais problemática do assunto, a gente tem certeza de que as relações tem que ser como uma montanha-russa, alternando entre altos e baixos o tempo todo para que você sinta a emoção.
Mas se for fazer essa analogia de verdade, quanto tempo da sua vida você passa em montanhas-russas? E quanto tempo você passa com os pés no chão? A aventura repleta de adrenalina e com as emoções bagunçadas pela velocidade dos movimentos dura menos de 10 minutos, e eu duvido que você acharia tão divertido se ficasse lá durante 2 horas ou mais, agora imagina a vida inteira.
O problema de querer que isso permaneça o tempo todo é que os filmes de romance duram menos de 2 horas; e geralmente concentram apenas os momentos mais emocionantes da história porque precisam prender a sua atenção. Seria muito chato assistir a um filme em que o casal principal passa a maior parte do tempo cuidando das tarefas domésticas, organizando as contas de casa ou trabalhando em silêncio em lados opostos da mesa de jantar.
Aprender definições falhas de amor quando somos bem jovens torna difícil sermos amorosos quando amadurecemos. (Tudo sobre o amor)
As borboletas no estômago que você sente quando está conhecendo alguém são justamente consequência da novidade na sua vida. Você toma mais cuidado com o que fala, com quais opiniões vai expor, quais gostos pessoais você vai mostrar. Se arruma mais quando vai encontrar a pessoa, passa perfume… Mas esse sentimento de ineditismo não vai durar pra sempre, e nem pode. Porque em algum momento, aquela pessoa vai deixar de ser alguém novo na sua vida, e é nesse momento que você vai se sentir confortável pra falar que não gosta do mesmo estilo musical, que não acha aquela piada engraçada; e vai parar de achar que a pessoa gosta menos de você se seu cabelo não estiver bom quando vocês se encontrarem.
É aqui que começa a próxima fase de uma relação (seja ela romântica ou de amizade): quando você se sente confortável perto de alguém e não tem receio de se mostrar sem os filtros de formalidade, aquele frio na barriga não tem espaço pra existir, porque ele é justamente o contrário disso.
Nada se compara à paz de viver um silêncio confortável ao lado de alguém, cada um fazendo uma atividade diferente, ou de partilhar trivialidades da rotina, comentar sobre o livro que está lendo ou a série que você começou por impulso porque viu alguém elogiando na internet. Então por que parece que as coisas ficam chatas depois de um tempo? O assunto acaba, todo dia é igual, a conversa vai diminuindo porque não tem nada pra falar…
Mas eu entendo a sua abstinência de coisas novas nessa fase; ninguém ensinou pra gente sobre a paz de uma relação tranquila, então faz sentido você cogitar se perdeu o interesse naquela pessoa. Já percebeu o quanto você se esforça para ser interessante quando está conhecendo alguém? Sabe falar de todos os seus filmes preferidos, das pessoas que você segue, seus hobbies, e tem um monte de opiniões sobre tudo o que está acontecendo no mundo? Até vai procurar sobre os assuntos que a pessoa gosta pra tentar impressionar?
as pessoas acham que, se espelharem o outro, então elas vão combinar, mas isso as torna inseguras, porque não estão sendo elas mesmas. (Vamos falar de amor)
Porque a outra coisa que os filmes ensinaram pra gente é que precisamos gostar das mesmas coisas pra conquistar alguém, e depois que você conquista, você passa a dedicar toda a sua energia ao relacionamento, e se esquece completamente dos seus outros interesses. E aí realmente fica chato. Porque nenhuma das partes envolvidas vai ter coisas a falar a longo prazo se vocês continuarem vivendo esse personagem que se molda aos gostos de outra pessoa.
Uma vez, passei por um post no Instagram com “4 dicas pra fazer ele se atrair por você” que dizia que a mulher tinha que cuidar da saúde, focar no trabalho e ter hobbys, porque “uma mulher interessante atrai homens interessantes”. E por mais que exista um fio de razão nesse tipo de conteúdo, eu não estou falando que você precisa ter uma personalidade para atrair alguém. Mas que, se você se ocupa com coisas que te interessam, vai ser muito mais difícil chegar naquele ponto da conversa em que tudo parece a mesma coisa. Porque a sua vida é interessante o suficiente pra você de maneira que você não precisa preencher os vazios com pessoas novas.
Vou te contar um segredo: as borboletas no seu estômago se alimentam da individualidade das pessoas envolvidas na relação. Seja você e mais alguém, ou mesmo um grupo de amigos. Pra manter as pessoas interessadas em você, é necessário que você seja interessante. E eu não quero dizer que você precisa ler os livros mais difíceis ou ser especialista em música clássica.
Às vezes, quando o relacionamento se desgasta, você perde o interesse por aquela pessoa e começa a não sentir nada. Isso sim é um problema. Um relacionamento tranquilo não te provoca frio na barriga de ansiedade porque você vive com o sentimento de certeza que as coisas estão como deveriam estar, longe de ser um vazio, é uma coisa que te preenche. Mas na primeira vez que você sentir a liberdade de ser você com alguém, você nunca mais vai achar que confundiu os sentimentos.